Começo esta estória pela minha infância que, como a de toda
criança feliz, foi cheia de brincadeiras e fantasias tão reais que, em nossas
lembranças, é até complicado distinguir o que realmente aconteceu do que é mera
ilusão. Sempre fui ótima com fantasias e devaneios. Por muito tempo isso foi um
empecilho para finalmente ingressar no mundo adulto, porém hoje eu consigo usar
todas essas dificuldades ao meu favor.
Durante muito tempo da minha infância, minha vida foi
cercada por amigos e por também inimigos de bairro. Todos nós tínhamos a
sonhada liberdade de crianças de cidade grande que vivem cercadas por muros.
Para nós só existia um limite: o fim da rua. O que na verdade não era bem um
limite, era apenas uma regra seguida quando estávamos ao alcance dos olhos de nossos
pais, pois quando os mesmos não estavam com tempo para nos vigiar, viajávamos o
mundo inteiro em um quarteirão.
Lembro até hoje dos meus amigos, e por vezes os encontro na
rua, porém perdi o contato com a maioria. Luca, Eddie, Melissa, Grace e eu,
Amy. Éramos inseparáveis, tínhamos um clube que, com muito prazer, foi
organizado por mim, andávamos o bairro inteiro com nossas bicicletas que,
acredite você ou não, tinham super poderes capazes de nos levar a qualquer
lugar. Atualmente, apenas Melissa continua sendo a minha melhor amiga. Ainda
fazemos festinhas do pijama na mesma casa que registrou boa parte da nossa
maravilhosa infância.
Bem, quanto ao resto, Luca tem vinte anos e uma namorada
insuportável, ainda o vejo quase todos os dias, pelo infeliz fato de sua casa
ser colada a da minha avó. Eddie se envolveu com péssimas companhias. Drogas,
roubos, vandalismo, ignorância, e vou logo adiantando, ele vai ser o
protagonista da nossa história. Grace mudou-se para outra cidade, mas sinto que
seu coração ainda pertence à velha e não tão pacata cidade de Lodi, Wisconsin. Sobre mim, não há nada que não saibam.
Estudo em um colégio particular, moro em uma casa velha e
abandonada na qual prefiro dizer que é rustica e meio vintage. Tenho poucos amigos e um namorado excepcionalmente
maravilhoso. Uma vida totalmente dentro dos eixos, ou quase. Exceto pelo fato de ser perseguida pelo
meu velho amigo de infância, o Eddie. Nunca contei isso a ninguém e espero que
continue desse jeito, mas ultimamente ele vem ultrapassando os limites da
sanidade.
Veja bem, tudo começou quando eu descobri seus costumes
ilícitos na madrugada. Não tenho culpa de ter olfato, audição e sexto sentido
aguçados. Todas as noites em que dormia na casa da minha avó e ia aos fundos
pela madrugada, ouvia sussurros e um cheiro insuportável de cigarro, maconha e
qualquer outra coisa queimada. O lado direito da casa da minha avó tem como
vizinho um terreno baldio que abriga todo tipo de pessoas e substancias
ilegais, sem contar os insetos e ratos.
Em um dia desses sem importância e sem o senso de detetive
ligado, fui bombardeada com informações preciosas sobre o menino de classe
média baixa, que mal sabe escrever seu nome, e no qual os pais passam por
dificuldades financeiras terríveis para dar pelo menos um pouco de dignidade
aos seus filhos. Com essas informações você já pode deduzir o quanto ele ficou
desesperado ao me ver ali, espreitando pela parte mais baixa do muro. No mesmo
momento em que seus olhos encontraram os meus, voei a toda velocidade para
dentro e tranquei a porta, não cansando de verificar mais de dez vezes se ela
estava realmente trancada. Naquela noite mal consegui dormir, pensei na
injustiça que aquele garoto estava cometendo com seus pais, coitados, tão
honestos e esforçados. Pensei no quanto ele estava afundando sua vida e no
quanto ele era, de certa forma, especial para mim. Passei muitos momentos da
minha infância com ele que não tinha como simplesmente ignorar este fato.
Estava decidido, no dia seguinte conversaria com ele.